VITÓRIA DE PIRRO: “LEI APROVADA NÃO AUTORIZA TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM”, DIZ PRESIDENTE DA COMISSÃO SINDICAL DA OAB

05-06-2014 - São Paulo - O MPT-RJ (Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro) entrou com ação civil pública pedindo que todos os selecionados para o programa de trabalho voluntário da Fifa para a Copa do Mundo sejam contratados com carteira de trabalho assinada. Foto Rafael Neddermeyer/ Fotos Publicas

Assim como o sindicalista Antônio Neto, presidente da CSB, que afirmou ao BR: que a lei de terceirização aprovada pela Câmara dos Deputados e sancionada pelo presidente Michel Temer não legaliza a terceirização da atividade-fim de uma empresa, o advogado Cesar Augusto de Mello também leu e estudou o texto legal. E chegou à mesma conclusão. Trata-se de uma opinião de peso. Mello é presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB/SP. Como tal, seus pareceres adquirem grande ressonância nos meios jurídicos. Para ele, o que o governo obteve ao aprovar a terceirização a toque de caixa foi “uma vitória de Pirro”, que não vingará nos tribunais quando a nova lei tiver seus termos contestados.

A seguir, a íntegra do estudo do advogado Cesar Augusto de Mello sobre a lei de terceirização sancionada por Temer:

O NOVO TEXTO DA LEI Nº 6.019/74 (APROVADO PELA LEI 13.429/2017) NÃO AUTORIZA A TERCEIRIZAÇÃO EM ATIVIDADE-FIM

Se pudéssemos resumir em apenas uma frase o que aconteceu nos últimos dias poderíamos escolher qualquer uma dessas, que cairia muito bem: “Vitória de Pirro”, “Quem tem pressa come cru” ou ainda “A pressa é inimiga da perfeição”. Me refiro ao super célere processo de aprovação e sanção da Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017, que alterou o texto da Lei nº 6.019/74, dispondo sobre o trabalho temporário. Vitória de pirro, porque a aprovação desta lei objetivou possibilitar a terceirização de mão de obra em atividades-fim, entretanto, os que assim pretendiam, apesar das aparências, não lograram êxito, e para estes as consequências políticas poderão ser nefastas e irreversíveis. Acho até que os princípios que fundamentam o nosso estado democrático de direito, previstos do art. 1º da Constituição Federal, acabaram, conscientemente ou não, sendo observados, quais sejam: a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Deveras, ninguém em sã consciência pode virar as costas para as inovações tecnológicas que vislumbramos nos últimos trinta anos e que demandam novos mecanismos de contratação, entretanto, também não se pode, em nome da modernidade desconsiderar os direitos básicos dos nossos trabalhadores, eis que foi uma escolha da sociedade brasileira na assembleia nacional constituinte instalada no Congresso Nacional em 1º de fevereiro de 1987 e encerrada em 22 de setembro de 1988, que inseriu nos arts. 7º e 8º da Carta Maior, direitos endereçados aos trabalhadores brasileiros.

De todo modo, recentemente, pudemos verificar na imprensa em geral, facebook, whatsApp e twitter, diversas manifestações das mais variadas nuanças, sendo que quase a totalidade delas informam que a Lei nº 13.429/2017 (ex – PL 4302/98) veio possibilitar a terceirização de toda e qualquer atividade, inclusive da denominada “atividade-fim” (considerada aquela essencial ao alcance do objeto social da tomadora de serviços), sob a qual, até então, era vedada a possibilidade de terceirização nos termos da jurisprudência consolidada do TST.

Todavia, eu, modestamente e com a devida vênia, após ter lido detidamente o texto legal sancionado, ouso discordar deste posicionamento e entendo que, diversamente do que vem sendo dito, a aludida norma não autoriza a terceirização de toda atividade. É importante ressaltar que minha análise sobre o assunto não representa posicionamento da Comissão de Direito Sindical da Ordem dos Advogados do Brasil, que ainda debaterá a lei recentemente sancionada

Nota-se, inicialmente, que a lei em questão não trata apenas da terceirização, pois além de dispor sobre as “relações de trabalho nas empresas de prestação de serviços a terceiros”, aborda também a regulamentação do trabalho temporário nas empresas urbanas.

Ou seja, a lei disciplina duas modalidades de prestação de serviços no âmbito do direito do trabalho, quais sejam: o trabalho temporário, o qual é restrito a substituição transitória de pessoal ou em razão de demanda complementar; bem como a prestação de serviços por meio de trabalhadores terceirizados.

Nesse contexto, basta fazer uma leitura atenta da lei para verificar que não é feita nenhuma referência à possibilidade de terceirização da atividade-fim! Na verdade, o que se permite é exclusivamente a contratação de trabalhador temporário para o desenvolvimento da atividade-fim das empresas tomadoras de serviços.

Veja-se que a lei foi clara ao prescrever, no parágrafo 3º de seu artigo 9º, que “o contrato de trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços”. Contudo, a legislação não fez o mesmo ao disciplinar a prestação de serviços terceirizados e manteve-se omissa a respeito de sua viabilidade na atividade-fim.

De todo modo, é certo que o legislador reconheceu e incorporou à lei as expressões “atividade-meio” e “atividade-fim” quando as empregou na regulamentação do trabalho temporário, então poderia perfeitamente utilizá-los novamente no momento em que disciplinou a terceirização, embora não o tenha feito.

Houve silêncio e omissão do legislador quanto à possibilidade de prestação de serviços terceirizados em atividades-fim, um silêncio facundo que desautoriza esse tipo de contratação, um silêncio de “quem se cala mas não consente”, pois se a pretendesse o legislador teria repetido a possibilidade para as duas situações.

Jamais poderíamos falar em autorização tácita ou fazermos uma interpretação extensiva da norma para aplicarmos a todo empregado terceirizado o regime adotado na contratação do trabalhador temporário. Tampouco poderíamos fazer uma aplicação analógica da contratação de trabalhadores temporários em atividade-fim para permitir a contratação de terceirizados no mesmo tipo de atividade, pois se tratam de institutos completamente distintos e, se a legislação quisesse alterar o entendimento sumulado pelo TST para permitir a terceirização na atividade-fim, deveria ter sido expressa nesse sentido.

Aliás, é princípio de hermenêutica que a lei não possui palavras inúteis, de modo que só é adequada a interpretação que encontrar um significado útil e efetivo para cada expressão contida na norma. Assim, ao verificarmos que o legislador expressamente determinou que o contrato de trabalho temporário pode versar sobre desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim, devemos considerar que somente nessa condição temporária a Lei permitiu a contratação de trabalho em atividades-fim. Se não fosse assim, reitera-se, o legislador teria mencionado expressamente essa possibilidade quando tratou da prestação de serviços propriamente dita, no art. 5º-A.

Tanto é verdade que, por exemplo, com relação à responsabilidade da tomadora de serviços, a lei fez questão de prever a responsabilização subsidiária da tomadora de serviços tanto na hipótese do contrato temporário, quanto na terceirização (art. 10, § 7º e art. 5º-A § 5º, respectivamente).

Além disso, faz sentido que a legislação tenha disciplinado o trabalho temporário e a terceirização propriamente dita, de maneiras distintas. Isso porque, se mostra plenamente possível a permissão da contratação de trabalhador temporário para suprir a necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou a demanda complementar de serviços mesmo que na atividade-fim, uma vez que se tratam de ocasiões pontuais e de caráter transitório que afetam o tomador de serviços. Por outro lado, mantém-se inviável que uma empresa se desenvolva sem possuir nenhum empregado diretamente subordinado trabalhando em suas atividades principais e sem caráter transitório.

A pretensão daqueles que almejam a terceirização de atividades-fim torna-se clara, é sim precarizar direitos, pois ninguém se oporia à terceirização em qualquer atividade que seja, se fossem respeitadas as conquistas históricas de várias categorias de trabalhadores. O trabalhador ao ser terceirizado na atividade fim deixaria de pertencer à categoria profissional predominante e passaria a ser representado por entidade sindical de pequeno poder negocial (Sindicatos dos Trabalhadores nas Empresas Prestadoras de Serviços), com redução de piso salarial e demais direitos arduamente conquistados nas negociações sindicais e previstos nas normas coletivas de trabalho das mais variadas categorias profissionais. Em médio prazo poderíamos ter somente uma categoria econômica (Empresas prestadoras de serviços) e outra profissional (trabalhadores em empresas prestadoras de serviços). Seria a possibilidade de existir empresas sem empregados, seria a desconstrução da relação jurídica empregado/empregador como temos hoje e o desmoronamento da estrutura sindical, com evidentes e irreversíveis prejuízos aos trabalhadores organizados em sindicatos. O próximo passo diante de um quadro desses, certamente seria a investida para pôr fim a Justiça do Trabalho.

Portanto, obviamente respeitadas as considerações contrárias, estou convencido que a Lei 6.019/74, mesmo com suas alterações, não conseguiu acabar com esse vazio normativo, pois o Projeto de Lei que tem como objeto regular a terceirização é o PLC 30/2015, que tramita no Senado. Subsiste ainda a intepretação do TST quanto ao previsto na Súmula 331, ressaltando-se que o Recurso Extraordinário nº 958.252 (STF) que decidirá sobre a constitucionalidade da mencionada Súmula terá agora que considerar o texto legal que menciona as atividades-meio e fim e acabou por autorizar expressamente o trabalho temporário tão somente nessa atividade.

São Paulo, 03 de abril de 2017.
Cesar Augusto de Mello – Consultor Jurídico de entidades sindicais e Presidente da Comissão Especial de Direito Sindical da OABSP.

Fonte: Brasil 2 Pontos

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