NOTA TÉCNICA DA ANAMATRA, ANPT E DO SINAIT EM DEFESA DA NR-12

nr12

 

 

 

 

Trata-se de Projeto de Decreto Legislativo (PDS nº 43/2015), de autoria do Senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que tem por escopo sustar a aplicabilidade da NR-12 (Norma Regulamentar nº 12), do Ministério do Trabalho, que tratada segurança no trabalho em máquinas e equipamentos.

O referido projeto recebeu parecer favorável de seu relator, Senador Armando Monteiro, que ofereceu substitutivo no sentido de sustar a aplicabilidade da NR-12 para máquinas com fabricação anterior a 24 de dezembro de 2010, data da publicação da Portaria SIT n° 197 de 17 de dezembro de 2010, bem como os prazos concedidos para seu atendimento, por meio da modificação do item 2.2 e da revogação do inciso II, do art.4° do diploma legal em tela.

O substitutivo ainda inova no projeto original, impondo condição restritiva à competência dos Auditores Fiscais do Trabalho atuarem quando constatarem situações de grave e iminente risco a saúde e integridade física dos trabalhadores que laboram em máquinas perigosas desprovidas de proteção, pois determina que a interdição da máquina geradora de tal condição somente possa ser interditada por Auditor Fiscal do Trabalho detentor de especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho, para tanto propõe também sustar os efeitos da Portaria n° 3.214 de 08 de junho 1978 de que aprovou a NR-03 Embargo e Interdição.

Não vislumbrando “óbices relativos a constitucionalidade, à juridicidade e à regimentalidade que impeçam sua aprovação” o nobre Senador relator oferece para pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) o substitutivo em epigrafe para apreciação de seus pares.

As normas NR-12 e NR-03, cuja vigência se pretende sustar por meio do Projeto e seu substitutivo, constitui um marco fundamental na efetivação dos fundamentos constitucionais concernentes à dignidade da pessoa humana e ao valor social do trabalho de que tratam os incisos III e IV do art. 1º da Carta Magna.

Por meio dela, poder-se-á garantir a todos os trabalhadores urbanos e rurais a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” que lhes foi garantida pelo legislador constituinte por meio do art. 7º, XXII, da Constituição Federal.

Observe-se o supra destacado da carta magna refere a redução dos riscos a todos os trabalhadores. Resgatando a redação inicial da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, de 1943, determinava em seu Art. 192:

Art. 192 As partes moveis de quaisquer máquinas ou os seus acessórios (inclusive correias e eixos de transmissão), quando ao alcance dos trabalhadores, deverão ser protegidas por dispositivos de segurança que os garantam suficientemente contra qualquer acidente. (grifo nosso)

Cabe destacar aqui a preocupação do legislador com a segurança da coletividade de trabalhadores, especialmente daqueles que laboravam com máquinas, desde a primeira versão da CLT. Salienta-se que o artigo, cuja redação é de 1943, citava expressamente que as partes móveis de quaisquer máquinas devem ser protegidas por dispositivos de segurança contra qualquer acidente, sendo esta legislação regulamentada pela NR-12 com constantes atualizações para alinhamento com os princípios básicos da boa técnica. Qualquer retrocesso na prevenção dos acidentes de trabalho denota uma flagrante violação aos princípios constitucionais. Na mesma senda de inconstitucionalidade segue a proposta que cria assimetrias entre a proteção dos trabalhadores ao laborarem em máquina desprovida da boa técnica, em função do corte temporal proposto pelo substitutivo.

Um dos argumentos utilizados para atacar a NR-12 consiste em querer levar a crer que todas as máquinas utilizadas antes da norma estariam seguras, dentro da legalidade, e que a norma revisada em 2010 teria levado todas essas máquinas para a ilegalidade.

Nesse cenário, buscando entender o grave quadro de acidentalidade no Brasil o Ministério da Previdência e Assistência Social e o Ministério do Trabalho, ainda em 2001, realizaram estudo intitulado “Máquinas e Acidentes de Trabalho”. Tal estudo faz parte da Coleção Previdência Social (volume 13) e contou com apoio do Banco Mundial e PNUD e com parcerias do setor privado e diversos órgãos públicos.

O inteiro teor do referido estudo está disponível no link http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/3_081014-111357-495.pdf e todos os atores públicos e privados que discutem a questão da NR-12 devem conhecê-lo.

A apresentação do estudo destaca que “o problema das máquinas e equipamentos obsoletos e inseguros são responsáveis por 25% dos acidentes de trabalho graves e incapacitantes registrados no País” e apresenta em sua conclusão que as seguintes medidas podem ser capazes de atenuar a gravidade do problema:

“A ampliação e reprodução da estratégia de discussões e acordos tripartites em que participem empregadores, trabalhadores organizados e Governo.”

Nesta senda para atualização da referida Norma todo o trabalho foi realizado de forma triparte por consenso e de seu aperfeiçoamento permanente se dá por meio da CNTT – Comissão Nacional Tripartite Temática, instituída com esta finalidade e que já produziu 7 Portarias de atualização nos últimos dois anos. O texto vigente foi construído e aprovado por consenso entre os representantes de governo, trabalhadores e empregadores (CNI, CNC, CNA e ABIMAQ), tendo sido publicada por meio da Portaria 197, de 17 de dezembro de 2010 e suas alterações, (http://www.mtps.gov.br/seguranca-e-saude-notrabalho/normatizacao/normas-regulamentadoras).

A NR-12 encontra-se em perfeita harmonia com os regulamentos internacionais e a Convenção n° 119 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 232, de 16 de dezembro de 1991, do Congresso Nacional, e é fruto do debate tripartite maduro, pois muitos de seus conceitos já eram os incorporados em Convenções Coletivas de Trabalho vintenárias, como de prensas, injetoras e máquinas de panificação, buscando sempre a aplicação da boa técnica de forma que todos os atores envolvidos possam melhor buscar o caminho para sua implementação.

Porém o Estado não pode permitir assimetrias de proteção entre os trabalhadores, portanto a NR-12 deve acolher todos os trabalhadores, operem eles máquinas novas ou usadas, laborem em micro ou grandes empresas, estejam cobertos ou não por Convenções Coletivas de Trabalho. O direito a segurança e saúde devem ser isonômicos como determina a Constituição Federal, cabendo ao empregador prover um ambiente seguro para o desenvolvimento da atividade econômica.

Em acréscimo, é oportuno salientar que o Texto Constitucional estabeleceu princípios a serem observados por todos aqueles que empreendem economicamente, dispondo, em seu art. 170, III, a respeito da função social da propriedade, circunstância que evidencia a prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais, de modo que os alegados altos custos para a modernização do parque fabril nacional não constituem óbice ao atendimento do interesse maior da sociedade que é a garantia da vida e da saúde do trabalhador.

Ainda sobre o quadro acidentário nacional, apresentamos a tabela abaixo, onde constam apenas os trabalhadores segurados vitimados em acidentes típicos, isto é, os acidentes ocorridos no ambiente laboral com máquinas.

Acidentes com máquinas e equipamentos registrados

tabela

Fonte: Comunicações de Acidentes de Trabalho

Preparação: Secretaria de Inspeção do Trabalho

Observe que de 2011 a 2015 tivemos uma média anual de 4.254 amputações (são entre 11 e 12 cidadãos amputados a cada dia), 13.726 fraturas (cerca de 38 fraturas por dia) e de quase 200 mortes decorrentes de acidentes com máquinas. Ou seja, apesar dos números ainda serem alarmantes, eles apresentam tendência de queda com a implementação da NR-12.

Em cinco anos, tivemos mais de 350 mil acidentes de trabalho apenas com máquinas, tivemos mais de 21 mil pessoas amputadas, e quase um mil óbitos, tudo isso no trabalho com máquinas, ou seja, é impossível dizer que as máquinas estão adequadamente protegidas, mesmo se levar em consideração da NR-12 de 1983.

Cumpre destacar que a CNTT NR-12, instancia legal tripartite, instituída segundo os ditames da Convenção prioritária n°144 da OIT, que trata da Consulta Tripartite, e aprovada pelo Decreto Legislativo nº 6, de 1º de junho de 1989 do Congresso Nacional, segue produzindo atualizações por consenso com reuniões mensais, sendo aguardada para os próximos dias a publicação de mais uma Portaria de atualização obtida por consenso.

Também não prevalecem, salvo melhor juízo, os argumentos de que a NR-12 estaria a extrapolar os limites de uma norma administrativa, usurpando competência do Parlamento, posto que tal normativo apenas dispõe a respeito de procedimentos a serem adotados para o efetivo cumprimento de preceitos constitucionais e legais aprovados pelas Casas Legislativas.

A redação do diploma celetista de 1977 estabeleceu regras gerais e concedeu ao Ministério do Trabalho a competência de estabelecer disposições complementares ao seu capítulo V – DA SEGURANÇA E DA MEDICINA DO TRABALHO, que estabeleceu obrigações, direitos e deveres a serem cumpridos por empregadores e trabalhadores com o objetivo de garantir um trabalho seguro e sadio.

Tal delegação de competência se deu em razão do fato de o mundo do trabalho ser dinâmico, por ser impactado fortemente pela evolução dos métodos e pelo avanço da tecnologia, o que demandaria um processo de atualização normativa que acompanhasse tal dinâmica.

Imprescindível destacar o disposto no Art. 184, 186 e 200 da CLT:

Art.184 – As máquinas e os equipamentos deverão ser dotados de dispositivos de partida e parada e outros que se fizerem necessários para a prevenção de acidentes do trabalho, especialmente quanto ao risco de acionamento acidental.

……………………………….

Art. 186 – O Ministério do Trabalho estabelecerá normas adicionais sobre proteção e medidas de segurança na operação de máquinas e equipamentos, especialmente quanto à proteção das partes móveis, distância entre estas, vias de acesso às máquinas e equipamentos de grandes dimensões, emprego de ferramentas, sua adequação e medidas de proteção exigidas quando motorizadas ou elétricas.

……………………………..

Art. 200 – Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre:

I – medidas de prevenção de acidentes e os equipamentos de proteção individual em obras de construção, demolição ou reparos.

De mais a mais, como já referido supra, coube ao próprio Congresso Nacional aprovar, por meio do Decreto Legislativo nº 232/1991, o texto da Convenção nº 119, da OIT – Organização Internacional do Trabalho, dispondo sobre a proteção no trabalho com máquinas, o que testifica que o normativo atacado é mero desdobramento da norma internacional integrada ao ordenamento jurídico pátrio.

Não cabe invocar, portanto, o disposto no art. 49, V, da Constituição Federal, para se admitir o trâmite do Projeto em referência, eis que já demonstrado à saciedade que a NR-12 se coaduna com regramentos constitucionais que asseguram um ambiente de trabalho seguro e saudável aos trabalhadores brasileiros, sendo deles um mero corolário.

José Afonso da Silva esclarece que a competência prevista no inciso V, do art. 49, tem “Natureza de verdadeiro controle político de constitucionalidade, pois se o ato normativo (regulamento ou lei delegada) do Poder Executivo exorbita do seu poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa é porque contraria as regras de competência estabelecidas pela Constituição. Ou melhor, contraria o princípio da divisão de Poderes. Veja-se que o inciso só se aplica a atos normativo do Poder Executivo, não a atos do Poder Judiciário. O preceito contém um meio específico de o Congresso Nacional zelar pela preservação de sua competência legislativa, de sorte que para tais situações é a ele que se tem que recorrer, não ao disposto no inciso XI, que merecerá comentário abaixo. O decreto legislativo apenas se limita a suspender a eficácia do ato normativo. Não se trata de revogação. Suspende por ser inconstitucional. Mas o ato de sustação pode ser objeto de questionamento judiciário, inclusive com o argumento de sua inconstitucionalidade, desde que seja ele que exorbite da função do Congresso, invadindo, com seu ato, prerrogativas do Executivo”.

E é exatamente isso, já que o Executivo ao editar a NR-12 atua em conformidade com art.7º, XII.

Cite-se ainda que as centenas de milhares de acidentes de trabalho típicos na operação com máquinas, ocorridos ano a ano, a par dos inaceitáveis prejuízos ao patrimônio imaterial do trabalhador, acarretam custos altíssimos à Previdência Social, em razão dos prolongados afastamentos que demandam o pagamento de benefícios às vítimas, além de sobrecarregar o SUS – Sistema Único de Saúde com o atendimento dos acidentados, custo este não coberto pela contribuição previdenciária compulsória e sim suportado por toda a sociedade.

Assim, a diminuição dos infortúnios acarretaria economia aos cofres públicos.

Em sentido contrário, admitir-se a sustação da NR-12, mesmo que parcialmente, seria aquiescer com a mitigação dos princípios primários da prevenção, precaução e controle dos riscos no ambiente laboral em benefício à classe empresarial e à diminuição dos seus investimentos.

Não há que se falar, data vênia, em violação dos princípios da irretroatividade da lei e da segurança jurídica, para se definir um corte temporal na aplicação da NR-12, haja vista o longo e continuo processo de negociação na construção da norma e na previsão de sua implementação a longo prazo, evidenciando-se que a falta de renovação ou adequação do parque fabril significou apenas a falta de compromisso de parcela do segmento empresarial com a modernização a que se obrigou.

Logo, não se poderia argumentar que seriam impostos à classe patronal investimentos de alta monta quando, em verdade, o que resta claro é que, ao longo desse interregno, os destinatários da norma se furtaram a observar as suas prescrições e a promover a paulatina modernização do seu parque fabril.

Pelas razões ora expostas, revela-se inconstitucional o Projeto que visa a sustar a aplicabilidade da NR-12 do Ministério do Trabalho além de violar as Convenções nº 119 e nº 144 da OIT, aprovadas pelo Congresso Nacional, atestando o retrocesso do Estado Brasileiro no compromisso com a agenda do Trabalho Decente no cenário internacional.

Diante de todo o exposto, a ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, o SINAIT – Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho e a ANPT – Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho manifestam-se CONTRARIAMENTE à aprovação do Projeto de Decreto Legislativo (PDS) nº 43/2015.

Brasília, 22 de novembro de 2016

Germano Siqueira – Presidente da ANAMATRA

Carlos Silva – Presidente do SINAIT

Ângelo Costa – Presidente da ANPT

Fonte: CSB

Compartilhe

Comentar